«Um jovem de 18 anos,
de ar frágil, tímido, violinista talentoso (toca já numa orquestra), vai
estudar para a universidade em Nova Iorque. No quarto que divide, a
universidade coloca um estudante de características opostas: assertivo,
arrogante, vaidoso, e hábil nos computadores.
O primeiro chama-se Tyler, o segundo Ravi. De
nacionalidade indiana, Ravi tem várias objeções a Tyler. Entre elas, a
origem relativamente modesta (o tipo é pobre, diz Ravi com desprezo em
mensagens a amigos) e o facto de ser gay.
Ravi descobriu tudo isso através da Internet. Tyler
participa regularmente num fórum chamado Just Us Boys. O nome -- só nós
rapazes -- parece auto-evidente. Nem era preciso Ravi ter lá entrado.
Esse convívio terá dado coragem a Tyler para se assumir
ante os seus pais, pouco tempo antes. O pai apoiou-o, a mãe reagiu mal.
O menos grave que lhe disse foi que precisava de tempo.
Pediu o quarto para o serão
Quando segue para a universidade, Tyler está um bocado
angustiado. Consta que no computador tinha fotografias da ponte George
Washington, uma estrutura majestosa que se destaca sobre o rio Hudson,
na parte norte de Manhattan.
Logo à partida compreende que o contacto com Ravi não é
fácil. Mas como também é escasso, aguenta. Entretanto, na internet
conhece um homem um pouco mais velho, com quem combina um encontro. Pede
a Ravi que lhe ceda o quarto durante um serão -- tradição académica
geralmente respeitada por lá.
Ravi acede. Mas antes de sair, deixa o seu computador
ligado (écran escuro, para disfarçar) e com a camera a apontar para a
cama de Tyler. Nas horas seguintes, a sua intuição confirma-se. Tyler e o
tal homem mantêm uma relação íntima.
Ravi espalha logo a história. E quando dias depois
Tyler lhe volta a pedir o quarto, resolve aproveitar a ocasião para uma
produção maior. Fala a uma colega próxima, manda recados no Twitter. O
mundo inteiro tem que ver. Na noite marcada, lá está o evento, embora
não se tenha chegado de facto a filmar tudo.
'Crimes de ódio'
No julgamento agora em curso, onde Ravi é acusado de invasão de privacidade e 'crimes de ódio',
o homem com quem Tyler teve sexo conta que logo na altura suspeitou que
os dois estavam a ser espiados. Uma impressão reforçada pela meia dúzia
de estudantes que viu a rir de si nessa noite quando deixou o
dormitório.
Tyler, esse, não esperou muito para reagir. Embora
baralhado, apresentou queixa na universidade (nos EUA, esse género
de atitude é levada a sério), solicitando mudança de quarto. Ravi ainda
tentou enviar-lhe uma mensagem a pedir desculpa, mas nessa altura Tyler
já estava a saltar da ponte George Washington. O corpo levaria algum
tempo a ser encontrado.
Momentos antes de se atirar, enviou ele próprio uma
mensagem aos amigos: "Saltando da ponte GW. Desculpem". O seu computador
ficou no tabuleiro da ponte. E a defesa de Ravi tenta sugerir que o
suicídio foi um gesto tão infantil como diz ter sido a atitude de Ravi.»
«Condenado o estudante que filmou colega gay a ter sexo, levando-o a matar-se»
Link
«O jovem estudante
indiano Ravi Dharun, tristemente associado desde 2010 a uma
história aqui relatada há duas semanas -- a de um outro estudante, seu
colega de quarto, que cometeu suicídio após
perceber que Ravi o filmara secretamente a ter relações íntimas com um
homem mais velho no quarto que ambos os estudantes partilhavam -- foi
declarado culpado por um júri num tribunal americano.
Ravi, recorde-se, não estava acusado de ter causado a morte de Tyler Clementi, mas de invasão de privacidade e de 'crimes de ódio'
(ou seja, crimes relacionados com preconceito, no caso anti-gay; o
efeito de intimidação foi considerado elemento essencial) bem como
ainda de destruição de provas.
Este último aspecto referia-se ao pormenor de Ravi, após o suicídio, haver
tentado apagar as posts que pusera no Twitter a convidar outras pessoas
a assistir à sua transmissão directa de mau gosto a partir do quarto.
Questões de motivação
Como os factos básicos não estavam em causa no
julgamento -- o rasto electrónico não permite dúvidas -- ficaram as
questões psicológicas: as motivações do jovem que espiou e do que se
matou. Os jurados, pelos vistos, consideraram claros e suficientes os
indícios de má intenção por parte de Ravi.
Não terá ajudado um mail que ele enviou a uma amiga após receber a notícia do suicídio
de Tyler, comentando que o pobre coitado não tinha amigos, portanto até
fazia sentido. Sobre o seu próprio papel, nem uma vírgula.
A sentença ficou para breve. Como antes do
julgamento Ravi recusou uma proposta de acordo feita pela acusação,
segundo a qual admitiria crimes mas escapava à cadeia, é provável que
acabe por ter de cumprir algum tempo.
Seja como for, deverá acabar por ser deportado para o
seu país natal. Para alguém ambicioso ao ponto de fazer pouco do colega
não só por ser gay como por ser 'pobre' (i.e. não tão rico como ele
próprio, ou mais precisamente a sua família), é um golpe duro. Na
perspectiva de Ravi, a Índia talvez não tenha exactamente o mesmo cachet
que Nova Iorque.»
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