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quinta-feira, 28 de junho de 2012

NOTÍCIAS: «Saúde mental. “Mais de 90% dos casos não precisam de medicação”»

«Saúde mental. “Mais de 90% dos casos não precisam de medicação”»



Psicologo-Psiquiatra

«Por Marta F. Reis, publicado em 28 Jun 2012 - 15:13 | Actualizado há 1 hora 1 minuto

Rede embrionária na Europa quer tirar a psicoterapia da obscuridade e torná-la a resposta de primeira linha para os doentes com perturbações psicológicas

Dados nacionais sobre sessões de psicoterapia no país, no público ou no privado, não existem. Nem sobre especialistas em psicoterapia no Serviço Nacional de Saúde (SNS) nem sobre consultórios privados. Sabe-se que psicólogos, que podem ou não ter esta especialidade, são 221 para 400 centros de saúde. Nos hospitais há 431 médicos psiquiatras – com ou sem especialidade em psicoterapia – e destes, só 17 estão no Alentejo e Algarve. Há depois 198 internos em todo o país.

Em contraponto, os dados sobre o consumo de medicamentos antidepressivos estão actualizados até Maio: o número de embalagens vendidas nas farmácias aumentou 6,3%, para 2,9 milhões (as comparticipadas pelo Estado aumentaram 11,5%). Um grupo de psicoterapeutas, unidos na Rede de Cuidados Psicoterapêuticos, pretende combater o que defende ser um excesso de investimento na medicação – e défice nos cuidados terapêuticos desenvolvidos pelas ciências psicológicas. Sobretudo, quando há uma crise em pano de fundo que pedia respostas mais profundas a nível nacional.

Jorge Gravanita, psicólogo clínico e psicoterapeuta, representa em Portugal a Network for Psychotherapeutic Care in Europe. O projecto ganhou fôlego nos últimos meses e visa, para já, um levantamento das necessidades e assimetrias nos cuidados da psicoterapia na Europa e promover novas políticas junto dos decisores políticos. Em Fevereiro, a rede esteve no Parlamento Europeu e terá uma nova reunião em Setembro, enquanto continua o trabalho de casa: diagnosticar lacunas e traçar o caminho a seguir.

“As políticas europeias em saúde mental têm privilegiado quase em absoluto o tratamento com drogas psicotrópicas. É muito grave. Todos os estudos indicam que o tratamento de primeira linha devia ser a psicoterapia, sem necessidade de recorrer à medicação”, diz Gravanita, também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica. Segundo o especialista, o consenso entre psicoterapeutas é que 90% dos casos que chegam ao consultório não precisariam da medicação. Em Portugal, acontece o contrário: o último eurobarómetro dedicado à saúde mental, de 2010, revelou que 15% dos portugueses tinham tomado antidepressivos nos 12 meses anteriores, o dobro da média europeia, tendo Portugal a maior prevalência do consumo.

Jorge Gravanita acredita que parte deste recurso excessivo aos medicamentos tem a ver com alguma “obscuridade” da psicoterapia: não existe no SNS mas também não está coberta nos seguros de saúde, pelo que não é viável para a as carteiras de muitos portugueses. Por outro lado, reflecte uma sociedade “consumista” que contamina a saúde e encara como mais fácil tomar um medicamento. “Há um sobreinvestimento numa área que é muito rentável mas que depende de alguma aleatoriedade e pode até ser prejudicial: há resultados de eficácia manipulados e por avaliar a longo prazo.”

A alternativa, que propõem e querem que seja discutida entre especialistas, seria tornar a psicoterapia parte dos cuidados básicos de saúde, como pólo de intervenção para o qual psicólogos ou médicos de família pudessem encaminhar doentes, ao mesmo tempo que se investia na prevenção. Sem esta rede, defende, os tratamentos estão a ser adiados: “As pessoas não estão a resolver os problemas, estão a evitá-los. O medicamento funciona como analgésico: a pessoa não reflecte porque é que a família se está a dissolver, por que razão há dificuldades de comunicação”, exemplifica. “A saúde é conseguirmos lidar com os problemas. Há frustração e tristeza e tudo isto tem de ser trabalhado. Há uma dimensão humana que tem de ser reintroduzida nos cuidados de saúde.”

O objectivo da rede é criar uma metodologia de trabalho e oferecer respostas que possam ser incorporadas nos planos nacionais e directivas europeias. Entre os pares, Portugal surge com atraso e quase tudo por fazer, diz Gravanita. No novo programa nacional para a Saúde Mental, em discussão pública, não há qualquer referência à psicoterapia. “Em países como a Alemanha ou Noruega já existe comparticipação. Em Portugal não queremos pedir nada à DGS, queremos começar por saber que especialistas existem, como nos podemos articular. Estamos numa fase em que os profissionais ainda estão um pouco guetizados.”

Mais psicoterapia ajudaria o país em estado de emergência social? Gravanita não tem dúvidas. “O custo da doença mental em Portugal é brutal. O estado do país não resulta só das questões financeiras. Estamos numa condição psíquica deficitária e a forma como as pessoas estão afectadas, desmotivadas, deprimidas, contribui para a baixa produtividade. Não estamos a ter os recursos que devíamos para enfrentar os problemas.”»

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