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segunda-feira, 23 de abril de 2012

NOTÍCIAS: "As vítimas somos nós"

Ainda sobre a alienação parental.


PÚBLICO

"As vítimas somos nós" 


«É incrível o ruído causado pelas pessoas que dizem falar em nome das crianças e se esquecem de as ouvir. Parece que ainda não perceberam: o problema do fenómeno da alienação parental não está no nome que se lhe dá, não está na possibilidade de as mulheres serem difamadas por uma sociedade machista ou na dos homens serem alvo de preconceitos feministas. Odeio esta palavra, mas tenho de a usar para que entendam: as vítimas não são os pais nem as mães, as vítimas são os filhos, as vítimas somos nós.

Falo porque acho que é urgente que sejamos ouvidos. E protejo a minha identidade porque a minha história não é só a minha história - é também a do meu irmão, a da minha mãe, a do meu pai e a dos meus avós.

Os meus pais separaram-se quando eu tinha 14 anos. Talvez seja a idade mais complicada. Ninguém consegue obrigar um adolescente a ir ter com o pai e esse desencontro abre o espaço e o tempo necessários para promover a alienação parental. Foi o que aconteceu no meu caso. Não sei dizer como começou ou quando começou. Até porque não são precisas acusações explícitas, a alienação parental pode ser um processo lento e insidioso.

Uma mãe não precisa de dizer: "O teu pai não se lembra de ti". Basta aproveitar um dia, em que, por qualquer motivo, o pai não telefonou e insistir: "Ele já ligou?" "Será que se esqueceu?" "Não quis saber de ti?" "Deixa lá, não fiques triste, tens-me a mim" ou "Eu nunca me esqueço de ti", "Eu nunca te vou abandonar".

Uma mãe não precisa de dizer: "O teu pai não se preocupa contigo". Basta repetir: "Como estás doente, não podes ir ter com o teu pai, porque ele não trataria de ti". Ou: "Vão, mas toma conta do teu irmão, que o vosso pai não sabe cuidar dele".

É preciso ter em conta, também, que esta é uma guerra em que o alienador arranja aliados: testemunhas, normalmente familiares e amigos, que nos fazem sentir que o outro progenitor não nos quer. E clínicos que "provam" que estar na sua presença nos faz mal. Não sei por quantos psicólogos e psicoterapeutas passei, levada pela minha mãe. Quando finalmente se chegava ao ponto em que eles sugeriam que eu devia aproximar-me do meu pai, acabavam-se as consultas.

Não tenho uma memória muito precisa da sequência de acontecimentos. Sei que, depois da separação, nunca passei um fim-de-semana com o meu pai e que se ia com ele era porque achava que tinha de proteger o meu irmão. Lembro-me de ter medo do meu pai, de sentir que ele nos podia fazer mal. E também do dia em que o meu irmão entrou em casa, abriu a mão cheia de notas, e disse: "O pai manda dizer que, se fores, também te dá dinheiro".

Hoje consigo perceber que aquela terá sido uma estratégia desajeitada e desesperada para me atrair. Na altura foi a gota de água: eu não era um objecto que ele podia comprar. Eu não estava à venda.

Onde estava a Justiça?

Na minha cabeça, o meu pai era um monstro. Agora olho para trás e não sei dizer por que tinha tanto medo dele – na verdade, o único mal que o meu pai me fez foi não ter lutado por mim. Ele diz-me que lutou. Durante um, dois, três anos, não sei. Culpa-me por eu me ter afastado, diz que fez o que lhe era possível. Mas o que é isso, o possível? Há limites para o período durante o qual um pai deve lutar pelos seus filhos? Há um ponto a partir do qual é legítimo um pai desistir?

E quando ele desiste? Às vezes pergunto-me: a minha mãe terá tido noção do momento em que isso aconteceu? Terá cantado vitória? As pessoas têm de ter consciência disto: muito antes de a guerra entre os membros de um casal terminar já há derrotados: os filhos. Se não há pai (ou mãe), há a falta do pai (ou da mãe) e o que essa falta provoca em nós: a sensação de que não temos valor; a certeza de que, se não merecemos ser amados pelos nossos pais, não merecemos ser amados por mais ninguém; o medo que nasce da ideia de que, se um dos nossos pais nos abandona, mais cedo ou mais tarde seremos abandonados por toda a gente.

O resultado é uma vida de inseguranças e de medos. Tenho 25 anos, já não tenho 14, e não consigo falar disto sem sentir uma dor física, intensa, no peito, que eu sei que não passará nunca. E, no entanto, sou privilegiada: pude fazer psicoterapia e neste momento, embora há muito pouco tempo, tenho a minha história resolvida dentro de mim. O que não quer dizer que tenha esquecido. Ou perdoado – não se volta atrás numa relação e isso vale para os dois, para a minha mãe e para o meu pai. Estão no mesmo patamar: um manipulou-me, o outro desistiu de mim.Onde estava a Justiça quando isso aconteceu? Onde estavam as pessoas que sempre que há um divórcio dizem: "Coitadinhas das crianças", "Quem mais sofre são as crianças"? Não quero ser injusta. Sei que é prematuro, que a taxa de divórcios tem vindo a aumentar; que muitos dos filhos não estão em condições de dar o seu testemunho; que é necessário fazer estudos, delinear estratégias. Mas já não é cedo. A realidade está aí e é preciso proteger as crianças e os adolescentes.

Ainda há pouco eu dizia que não era possível obrigar um adolescente a ir ter com o pai. É verdade – não é possível obrigá-lo. Mas é possível convencê-lo, explicar-lhe por que é que deve ir. E se a família não dá resposta a isso, deve ser o Estado a fazê-lo. Através dos tribunais, dos serviços de saúde, dos serviços sociais, seja do que for. Nos casos mais graves, em que a alienação parental é evidente, mas também nos outros, em que o conflito não é tão gritante – em todos eles é preciso ouvir as crianças.

Conheci pessoas que passaram pelo que eu e o meu irmão passámos e a regra é esta: nós, os filhos, não dizemos aos pais o mal que eles nos estão a fazer, não lhes dizemos o quanto estamos a sofrer. Temos medo de os magoar, o que é irónico: tenho a certeza de que até ao fim da minha vida não haverá quem consiga magoar-me mais do que eles me magoaram. E isso não passa. Nem se perdoa.

Texto escrito com base numa entrevista feita a Ana.»

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